quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A MATURIDADE DO INTERNETÊS

A grafia popularizada pela internet vai além das abreviações e consolida estilo informal e afetivo da comunicação escrita - Edgard Murano

Desde que a internet começou a popularizar-se, em meados dos anos 90, muita coisa mudou nos hábitos de escrita e comunicação no mundo todo. Primeiro surgiu o e-mail, depois vieram as salas de bate-papo e os comunicadores instantâneos (como ICQ e MSN) e, finalmente, os blogs e as redes sociais (Orkut, Facebook etc.), hoje tão populares entre os adolescentes quanto diários e papéis de carta um dia já foram. Em meio a essas mudanças, com o advento de novos recursos e ferramentas comunicacionais, o internetês - nome dado à grafia abreviada utilizada na internet - acabou se desenvolvendo e cristalizando-se à medida que a rede mundial de computadores evoluiu. Sobretudo no Brasil, a expansão e a democratização do acesso à rede saltam aos olhos: estima-se que o número de internautas no país chegue a 40 milhões, segundo balanço realizado pelo Ibope/NetRatings em novembro - praticamente o dobro do número de usuários detectado em 2007 (21 milhões à época). Desse total, cerca de 2 milhões têm entre 6 e 11 anos de idade, dado que indica uma adesão cada vez mais precoce da população à tecnologia. Apenas para se ter uma ideia da quantidade de informações veiculada por esses milhões de usuários, a Microsoft estima que sejam trocadas 8,2 bilhões de mensagens por dia em todo o mundo por meio do MSN, popular programa de troca de mensagens criado pela empresa de Bill Gates. Ferramentas como esta, entre outras baseadas na escrita que a internet oferece, têm acelerado o processo de comunicação entre as pessoas, influenciando a relação delas com a palavra e resgatando o valor do texto escrito como há muito não se via.
DiscernimentoMuitas pessoas veem no internetês - essa espécie de "língua" oficial dos jovens conectados - um mal iminente, à espreita de corromper a forma padrão do idioma e de tornar o patrimônio da língua uma grande sala de bate papo, repleta de flw ["falou"], blz ["beleza"] e demais abreviações informais que, em geral, os adolescentes usam para comunicar-se.
- A web não tem culpa de nada. Pessoas com boa formação educacional sempre conseguirão separar a linguagem coloquial da formal. Elas sabem quando dispensar os acentos e quando pingar todos os "is". Os manuais de cartas formais estão aí para provar que sempre houve uma linguagem para cada tipo de ambiente - afirma Arlete Salvador, autora de A Arte de Escrever Bem (editora Contexto).
Para Arlete, o falante do idioma tende a identificar a variante adequada a cada situação de comunicação.- Cartas de amor são diferentes de um pedido de compras de material de construção, por exemplo. Vejo a web como mais um instrumento de comunicação: ela é o que fazemos dela - argumenta Arlete.
A jornalista chama a atenção para a enorme quantidade de analfabetos funcionais no país, cujo problema não será agravado pela linguagem da internet, tampouco solucionado, por se tratar de um problema de alfabetização, de educação formal.

Trabalho

Hoje, no entanto, o fantasma do internetês assusta cada vez menos as escolas, embora sua sombra ronde o ambiente de trabalho. Há quem garanta até que o brasileiro internetado, com má formação educacional, ainda assim estaria suscetível a aplicar o internetês em situações que não as conversas informais on-line.
- Não vejo problema no internetês se a pessoa que o utiliza apresenta uma boa formação em língua portuguesa. Mas se essa pessoa não aprendeu o português direito e só se comunica dessa forma, ela pode cometer erros. Alguns funcionários mais jovens se acostumaram a não colocar acentos, pois dão mais trabalho na hora de digitar, já que é preciso apertar duas ou mais teclas - afirma Ligia Crispino, professora de português e sócia-diretora da escola Companhia de Idiomas. Para Ligia, o uso de abreviações e de linguagem informal na comunicação interna das instituições é mais tolerado, embora dificilmente chegue ao conhecimento dos clientes, o que poderia "queimar" a imagem da empresa.

Formação

Para João Luís de Almeida Machado, doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e editor do portal Planeta Educação, não é para todos o discernimento sobre quando e onde usar a grafia consagrada na web. Segundo Machado, referindo-se às novas gerações, a digitação rápida e a produção de mensagens instantâneas por meio de comunicadores eletrônicos concorrem com a produção de textos escritos à mão no papel.
- Entre adultos, já formados, capazes de discernir e produzir textos em diferentes formatos, é possível crer que haja suficiente maturidade para lidar com o internetês. Porém, no que se refere às novas gerações, ainda em formação, é grande a confusão que se estabelece entre a norma culta da língua portuguesa e a linguagem coloquial da web. Isso se explica ao levarmos em conta a exposição demasiada dessa garotada à internet e os baixos índices de leitura auferidos no país - justifica.

Geração

O professor Adalton Ozaki, coordenador dos cursos de graduação da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), acredita conhecer bem essa nova geração habituada à internet, apelidada por ele de "Geração Alt+Tab" [alusão ao comando do teclado que permite ao usuário de computador gerenciar várias tarefas ao mesmo tempo].
- Alguns jovens falam com três ou mais amigos simultaneamente em um programa de mensagens instantâneas enquanto escrevem um e-mail, baixam um vídeo, ouvem música e ainda escrevem no Word [programa para edição de textos]. São impacientes. Não são pessoas acostumadas a ler extensos romances ou livros do começo ao fim. Estão acostumados com a linguagem da internet, concisa e objetiva - afirma Ozaki, para quem esses adolescentes, por lerem menos e ficarem muito tempo em frente ao computador, apresentam grandes limitações no trato com a língua portuguesa.
Pessoas que possuem esse esse perfil enviam dezenas de SMS [do inglês short message service] por dia, e são exímias datilógrafas em aparelhos celulares, cujos teclados acanhados são um convite às abreviaturas típicas do internetês. Devido a essa agilidade nos dedos, esses jovens são conhecidos no Japão como oyayubi sedai, ou "geração do dedão".

Identidade

Além do imediatismo e da objetividade que se encontram por trás do internetês, movido pela economia de caracteres no ato da digitação sem prejuízo da mensagem, há um outro fator, que diz respeito à fase da vida em que se encontram seus praticantes, a maioria deles adolescentes. Da mesma forma que o uso de gírias, seu emprego garante ao indivíduo sentir-se parte de um dado grupo, garantiria um sentimento de identificação com uma determinada "tribo". Raquel Nogueira, professora de língua portuguesa do Colégio Módulo, em São Paulo, não encara o fenômeno linguístico como uma mudança para pior, mas chama a atenção para o contexto em que a grafia é empregada.
- Assim como uma "tribo", com suas próprias gírias e seu próprio modo de falar que a identificam, o mesmo se dá com o internetês, que é usado apenas no espaço que lhe cabe, isto é, na internet e nos torpedos SMS - defende Nogueira.
A professora compreende essa grafia como algo restrito apenas à comunicação informal na internet.
- Mas onde e quando se deve usar o internetês, cabe ao professor orientar seus alunos e mostrar que existem vários níveis de linguagem, vários contextos de uso e vários níveis de formalidade na comunicação. O aluno pode expressar-se utilizando abreviações, neologismos, caricaturas e até não usando acentos, mas fora desse ambiente virtual, em outras situações escritas, isso não é bem aceito ainda - recomenda.

Evolução

O coordenador Adalton Ozaki, da Fiap, questiona o uso do internetês sob o pretexto da concisão e da economia de caracteres. Se, por um lado, "vc", "tb" e "kd" seriam formas enxutas de "você", "também" e "cadê" respectivamente, outras palavras não obedeceriam a esse critério "econômico" justamente por serem mais extensas do que suas correspondentes na norma culta do idioma, argumenta Ozaki, caso de palavras como naum ("não"), eh ("é") e neh ("né", que por sua vez é contração de "não é?"). A opinião da professora Raquel Nogueira, contudo, sugere que talvez exista uma mudança mais profunda por trás desse fenômeno, ligada à evolução da grafia, não se resumindo apenas a uma questão econômica:
- A língua é viva e dinâmica, toda a mudança que ocorre é norteada pela fala, pelo povo, e pode demorar, mas ocorre. Assim como aconteceu com "vossa mercê", que virou "você" e que agora está se transformando em "cê", quem sabe o internetês não seja um precursor de outras mudanças, mas no âmbito da grafia das palavras, já que ninguém falaria vc em vez de "você" ou "cê" - questiona a professora.

Grafia do afeto

Outra modalidade na comunicação via internet, que de certa forma também passa pela economia de caracteres, é o popular emoticon [fusão das palavras inglesas emotion, "emoção", com icon, "ícone"]. Amplamente utilizado por internautas para expressar humor e sentimentos durante troca de mensagens, o emoticon nada mais é do que uma seqüência de caracteres tipográficos que em geral simula expressões faciais, tais como :) ou ainda ^_^ , entre outros. No entanto, a maioria dos atuais comunicadores instantâneos já consegue decodificar essas combinações tipográficas e traduzi-las por equivalentes pictóricos, alguns inclusive com movimentos animados, de modo que ao digitar :( a seqüência se transforme imediatamente no desenho de uma "carinha triste".
- O uso de emoticons é típico do internetês. Com um único símbolo, se transmite à outra pessoa o seu estado de espírito, funcionando quase como um ideograma das línguas orientais, onde um símbolo expressa um sentimento - afirma Ozaki, da Fiap.

Neologismos

Para constatar que a internet acelerou de fato a comunicação entre as pessoas ao redor do mundo, basta enumerar a quantidade de neologismos e expressões novas nascidas na grande rede. Muitas delas, como "postar", "deletar" ou "printar", ao mesmo tempo em que são estrangeirismos, caíram rapidamente no gosto popular. Outro bom exemplo, que também ilustra a força do internetês, é a mais recente lista de palavras publicada pelo jornal norte-americano The New York Times. A lista, batizada de Buzzwords of 2008 [Palavras-burburinho de 2008, em tradução livre], destacou palavras com o prefixo tw, em referência ao serviço de blogs Twitter.
De forma análoga, temos no Brasil trocadilhos já consolidados por usuários da internet, tais como "googlar" (fazer uma pesquisa no site de buscas Google), cometer "orkuticídio" (excluir o próprio perfil da rede social Orkut), entre muitas outras palavras e expressões pescadas de atividades virtuais para a "vida real".
Já que o avanço tecnológico é um processo irreversível, assim como as marcas que o progresso vai deixando na linguagem, é necessário admitir essas aquisições como expressões legítimas, sem nunca perder a chance de usar a forma culta da língua portuguesa quando for necessário. Também cabe a pais, professores e educadores orientar seus alunos para que tal interesse reverta-se em produção escrita, não importando se os textos produzidos forem à tinta ou digitados no computador.


Publicado pela Revista Língua Portuguesa - 02/2009 - Edição 40

***CURIOSIDADES***

O cartunista Maurício de Souza, famoso criador da Turma da Mônica, criou um personagem chamado "Bloguinho". O Bloguinho é um garoto aficionado pela internet, que tem o cabelo em forma de arroba e a fala recheada de internetês, com direto às carinhas ou emoticons. Vale a pena conferir ;)

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